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quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE A PROBLEMÁTICA DO TRATAMENTO DO ERRO NO DIREITO PENAL ECONÔMICO

Robson A. Galvão da Silva
Há certo consenso na doutrina ao se afirmar que o setor relativo ao Direito penal econômico possui determinadas peculiaridades que permitem individualizá-lo e que servem para o diferenciar dos outros setores que tradicionalmente foram enquadrados no Direito penal “clássico”, “primário”, “comum” ou “nuclear”. Chegou-se a cogitar sobre uma verdadeira autonomia científica do Direito penal econômico frente ao Direito penal primário1
Como se sabe, a legislação brasileira não confirma ou reconhece explicitamente tal autonomia. No entanto, isso não é óbice para que se postule um tratamento mais adequado, considerando-se essas especificidades, na medida em que as diversas instituições dogmáticas elaboradas pela teoria penal permitam chegar a soluções jurídicas distintas das que se sustentam para o Direito penal primário, com redução de garantias2. Em alguns casos, trata-se simplesmente de efetuar algumas matizações ou correções a instituições penais tradicionais, quando elas são utilizadas como instrumento para a interpretação dos delitos econômicos, mas, em outros casos, propõe-se, inclusive, a idealização de novos princípios jurídico-penais de imputação, diferentes dos tradicionais.
Neste trabalho, não se ingressará na discussão a respeito da aventada autonomia científica do Direito penal econômico. Isso decorre, além da limitação de espaço, da constatação de que o legislador brasileiro não fez, até o momento, essa opção. Os delitos econômicos permanecem sujeitos à regulação da Parte Geral do Código Penal. Conseqüentemente, estão submetidos aos princípios de garantia tradicionais e sujeitos às mesmas regras de imputação previstas para o Direito penal primário.
Apesar disso, no que se refere aos critérios de imputação, eles não podem ser transladados acriticamente ao âmbito econômico, como adverte MARTÍNEZ-BUJÁN PÉREZ 3. O que se tem feito é acomodar as tradicionais estruturas às características particulares dos delitos econômicos, sem que se matize qualquer princípio de garantia, sendo isso o que deve ser buscado pelo aplicador do Direito, pois, em algumas situações, não há como aplicar as instituições tradicionais ao Direito Penal econômico, sem reduções de garantias.
É assente na doutrina que na matéria do erro coloca-se uma das questões de maior relevo4, que permite deixar clara a especificidade das normas do Direito penal econômico e, consequentemente, atesta a
necessidade de reformular as teses e conclusões que tradicionalmente se vinha sustentando em relação aos delitos pertencentes ao Direito penal primário 5.
A importância prática do tema é grande, visto que a distinção entre erro de tipo e erro de proibição ganha ainda mais relevância especificamente nesse setor, ao se constatar que no Direito penal econômico, normalmente, não são criminalizadas modalidades imprudentes. Assim, ao se considerar um erro como sendo erro de tipo, ainda que se considere vencível, ter-se-á a absolvição do acusado. De outra via, a questão gera efeitos em matéria de participação, porque se o erro se situa no âmbito da exclusão do tipo, a não aplicação da pena estender-se-á às condutas dos partícipes.
Proporcional à importância do assunto é a sua dificuldade. Com efeito, em razão das peculiaridades do bem jurídico protegido pelo Direito penal econômico, o legislador passou a usar algumas técnicas específicas de tipificação. Não há dúvida que o tipo dos delitos econômicos é repleto de elementos normativos, elementos de valoração global do fato e de remissões a outras normas jurídicas 6. A conduta incriminada, em grande parte, não é composta por uma realidade objetiva do mundo do ser, mas por uma realidade referente a normas e valorações jurídicas (o que não lhe tira seu caráter objetivo).
Tradicionalmente, aceita-se que a discrepância entre o desconhecimento subjetivo de dados objetivos se resolve no sentido de considerar que o desconhecimento é de fato e, portanto, da significação central do próprio atuar, exonerando o agente: quem não sabe o que faz não atua dolosamente.
Conforme bem observa TIEDEMANN, no entanto, a convicção do sistema baseado sobre tais princípios entra em crise nos casos em que o objeto da falsa representação subjetiva não está constituído por uma realidade objetiva do ser, mas pela realidade – também objetiva – das normas e das valorações jurídicas. Pensamentos jurídicos antigos consideravam esses erros irrelevantes, majoritariamente sobre a base da presunção de que a validez da norma não pode fazer-se depender de seu conhecimento e aprovação por parte dos particulares e, também, afirmando que com o reconhecimento de um erro relevante sobre a norma, o ordenamento jurídico questionaria sua validez: error iuris nocet. Sistemas mais evoluídos têm admitido, faz relativamente bastante tempo, exceções a essa regra, outorgando relevância ao erro de Direito nos casos em que as normas jurídicas não prescrevem, mas descrevem. Em outras palavras, nos casos em que o erro não se projeta sobre o mandato ou a proibição, mas sobre elementos do tipo ou pressupostos das causas de justificação. O erro sobre o caráter alheio de uma coisa já no Direito romano excluía o dolo de furto. Esse erro não é idêntico ao que recai sobre a proibição de subtrair coisas alheias 7.
O que ocorre, no Direito Penal econômico, é que a situação de fato, em grande parte, não é composta por uma realidade objetiva, do mundo do ser, como ocorre na maioria dos delitos tradicionais. Ao contrário, a situação típica refere-se a situações proximamente ligadas ao Direito, sendo essa a razão de o legislador utilizar
na descrição dos tipos econômicos elementos normativos jurídicos, elementos de valoração global do fato e a remissão a outras normas jurídicas. Assim, dentro da diferenciação entre representação errônea de tipo moral e de tipo intelectual, o erro de proibição no âmbito do Direito penal econômico se encontra, certamente, mais próximo do grau de valoração intelectual. Portanto, seu correto enquadramento no sistema penal deriva da teoria da norma jurídica, cujos aspectos objetivos devem encontrar, em todo caso, certa correspondência na consciência do sujeito8.
O tratamento do erro sobre os elementos normativos do tipo, sobre os elementos de valoração global do fato e sobre o complemento das leis penais em branco é extremamente controvertido na doutrina já quando se trabalha com o Direito penal clássico. Especificamente a respeito do erro sobre os elementos normativos, MAURACH/ZIPF afirmam ser a questão mais complexa e aberta de toda a teoria do erro, diante do grande número de opiniões conflitantes sobre o tema na doutrina9. Há, ainda, a questão da própria definição e delimitação dos elementos descritivos e normativos, bastante controvertida, apontando diversos doutrinadores no sentido de sua relativização10. A complexidade amplia-se ao se transladar essa problemática ao âmbito do Direito penal econômico11.
Não há como se deixar de mencionar, ainda, o elevadíssimo número de leis penais esparsas nesse âmbito, cujas condutas incriminadas nem sempre são desvaloradas socialmente, o que também deve ser considerado no tratamento do erro.
Diante das particularidades do Direito penal econômico, a doutrina tem apresentado três propostas para um tratamento mais adequado do erro: a) elaboração de alterações legislativas, de modo a que, nesse setor, sejam aplicados critérios idênticos aos da teoria do dolo; b) ampliação do âmbito de emprego do erro de tipo em prejuízo do erro de proibição; e, c) alargamento da esfera de invencibilidade do erro de proibição, com critérios diferentes dos que regem para o Direito penal primário. A segunda opção é que tem angariado mais adeptos na Europa.
No entanto, o tema, salvo raríssimas exceções, sequer é discutido no Brasil. Como consignado, não se deve buscar uma solução que adote critérios diferenciados para o Direito penal primário e para o Direito penal econômico. Acredita-se que é possível alcançar uma resposta adequada para o âmbito econômico, que não exija uma abordagem diferenciada dos delitos tradicionais. O que há são tipos legais, existentes em ambos os setores, ainda que preponderem no Direito penal econômico, com características peculiares, o que recomenda um tratamento de acordo com tais especificidades.
Diante disso, surge em boa hora o Instituto Brasileiro de Direito Penal Econômico, como fórum de debate desses assuntos que não podem mais permanecer alheios à maior parte da doutrina nacional e, sobretudo, dos operadores pátrios do Direito.

Notas:

1 MARTÍNEZ-BUJÁN PÉREZ, Carlos. Imputación Subjetiva. Manuales de Formación Continuada. Madrid, n. 14, p. 99-180, 2001. p. 100.
2 TIEDEMANN consigna que “Con cierta independencia de esta situación legal, el Derecho penal económico ofrece unas particularidades que se refieren a cuestiones de la Parte general ya sea desde el punto de vista de la técnica legislativa ya sea como consecuencia de que el Derecho penal económico abarca nuevos fenómenos sócio-económicos y llega por ello a soluciones novedosas en cuanto a su contenido”. TIEDEMANN, Klaus. Lecciones de Derecho Penal Económico: (Comunitario, español, alemán). Barcelona: PPU, 1993. p. 157.
3 MARTÍNEZ-BUJÁN PÉREZ, Carlos. Manuales de Formación Continuada. p. 100.
4 TIEDEMANN afirma que “Las cuestiones referentes al error constituyen para la dogmática jurídico-penal el banco de pruebas de la coherencia y validez de la teoría jurídica del delito. La proyección subjetiva de datos objetivamente existentes representa el supuesto normal en el cual la congruencia entre „lo objetivo‟ y „lo subjetivo‟ confirma la estructura del sistema penal”. TIEDEMANN, Estudios Jurídicos, p. 895.
5 Nesse sentido, vide: MARTÍNEZ-BUJÁN PÉREZ, Carlos. Derecho Penal Económico y de la Empresa: Parte General. 2ª ed. Valencia: Tirant Lo Blanch, 2007. p. 127. TIEDEMANN, Leciones de Derecho penal econômico, p. 158 e ss. TERRADILLOS BASOCO, Juan. Derecho penal de la empresa. Madri: Trotta, 1995. p. 36.
6 Nesse sentido, vide: MARTÍNEZ-BUJÁN PÉREZ, Derecho penal econômico, p. 127. Do mesmo autor, Derecho Penal Económico y de la Empresa, p. 399. E, especialmente, DOVAL PAIS, Antonio. Posibilidades y limites para la formulación de las normas penales: El caso de las leyes en blanco. Valencia: Tirant Lo Blabch, 1999. p. 55 e ss.
7 TIEDEMANN, Estudios Jurídicos, p. 895.
8 Nesse sentido, vide TIEDEMANN, Estudios Jurídicos, p. 895-896.
9 MAURACH, Reinhart; ZIPF, Hein. Derecho Penal: Parte General. Tomo I. Trad. Jorge Bofill Genzsch e Enrique Aimone Gibson. Buenos Aires: Editorial Astrea, 1994. p. 663.
10 Nesse sentido, vide SUAY HERNÁNDEZ, Celia. Los elementos normativos y el error. Anuario de Derecho Penal y Ciencias Penales. Madri, Tomo XLIV, Fascículo I, p. 97-142, 1991. p. 30 e 44 e ss.
11 TIEDEMANN registra que “Sobre todo, en el Derecho penal accesorio, que en Alemania está actualmente conformado por casi 1000 leyes, se suscita la cuestión de si la existencia y contenido de las normas extrapenales que constituyen el objeto de referencia forman parte del tipo (penal) o pertencen a la prohibición (mandato)”. TIEDEMANN, Estudios Jurídicos, p. 896.

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