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quinta-feira, 25 de novembro de 2010

É POSSÍVEL A EXISTÊNCIA DE BENS JURÍDICOS COLETIVOS DE NATUREZA ECONÔMICA ?

Da não distinção entre bens coletivos e direitos coletivos no âmbito do Direito penal econômico surge o pensamento no sentido de que existem bens jurídicos coletivos de natureza econômica que podem ser desfrutados por todos, sem que o consumo de um impeça o consumo de outro●. Todavia, conforme se sabe, todo bem econômico é por natureza um bem escasso, o que significa que a única forma de satisfazer, de forma mínima, as necessidades de todos por bens econômicos é fracionando esses bens em partes, tendo em vista que, se assim não for, algumas pessoas necessariamente ficarão excluídas do uso desses bens.
Sendo assim, os critérios da não rivalidade no consumo, da não-distributividade, e da não exclusão no uso1 são incompatíveis com a natureza escassa dos bens econômicos, embora não o sejam com relação aos direitos coletivos sobre bens econômicos. Com efeito, ter um Direito não significa receber o objeto ou a prestação a qual se tem direito, não devendo estranhar, portanto, que alguns dos autores que defendem a legitimação da intervenção penal na proteção dos bens coletivos de natureza econômica enfatizem o “discurso formal dos direitos”, sem atribuir a relevância adequada à questão de como bens supostamente indivisíveis como a água e a produção econômica, por exemplo, serão efetivamente distribuídos para todos os “portadores dos direitos” indivisíveis e não excludentes. Destarte, corre-se o risco de que o “discurso dos direitos” se sobressaia à discussão de não somenos importância em torno de como serão divididos os “novos bens econômicos”2 na chamada “sociedade do risco”.
Entretanto, o estudioso do direito penal econômico não pode ignorar o aspecto ontológico e normativo dos bens coletivos de natureza econômica, não podendo se ater, tal qual acontece no campo processual, ao âmbito de uma discussão normativa focada em aspectos puramente deônticos. Em outras palavras, aos penalistas não é mais importante saber quem pode entrar com uma ação civil pública em defesa da ordem econômica do que responder, por exemplo, o que distingue um objeto chamado de bem coletivo de um bem individual que faz com que aquele deva receber uma proteção diferenciada. Ora, se não há diferença ontológica, então não há porque falar em crimes de perigo ou acumulação, ressalvando-se o caso de que se acredite que o perigo jurídico possa ser algum tipo de perigo diferenciado, existente apenas na cabeça de juristas com o poder de alterar a realidade e o comportamento humano a partir de um “passe de mágica”.
Nesse sentido, vem sendo destacado por alguns doutrinadores que antes de se posicionar acerca da legitimidade ou não da intervenção penal em certos âmbitos da vida econômica, deve-se conhecer e delimitar os objetos aos quais se pretende proteger, uma vez que sem o conhecimento do objeto da ação não será possível normatizá-lo de modo a definir o bem jurídico, conforme bem ressalta SCHULENBURG:
Hay que preguntarse sobre qué objeto se produce um resultado, o bien qué objeto debe ser lesionado o expuesto a um peligro concreto o general. Así, a este respecto, entra em consideracíon tanto el objeto de la accíon afectado inmediatamente por el hecho punible, como tambíen aquel objeto que encarna el bien jurídico protegido, que no tiene por qué coincidir necesariamente com el objeto de lá accíon.”3
Com base nessas premissas, tem-se procurado encontrar critérios para se definir que tipo de objeto realmente pode ser considerado um bem coletivo, a fim de denunciar a existência de falsos bens coletivos que não passariam de uma soma de interesses individuais4. Todavia, os critérios que têm gozado de aceitação majoritária são o da indivisibilidade, não distributividade, e o da não rivalidade no consumo. Entretanto, como a ciência jurídica não pode se contentar com proposições dogmáticas e argumentos de autoridade, impende-se perguntar: qual a base epistemológica que fundamenta esses critérios? Embora alguns penalistas que utilizam esses critérios, sobretudo HEFENDHEL mencionem um trabalho do jusfilósofo ROBERT ALEXY5, a elaboração dos critérios da não-exclusão no uso, não-rivalidade no consumo, e não-distributividade é atribuída ao economista PAUL SAMUELSON que em 1954 procurou oferecer uma análise formal dos bens públicos6.
Um dos objetivos de SAMUELSON ao ter elaborado os critérios da não-exclusão, não-distributividade, e indivisibilidade foi o de separar aqueles bens que poderiam ser fornecidos pelo setor privado de outros que necessariamente deveriam ser oferecidos pelo Estado, tendo em vista que a satisfação desses critérios por um bem implicaria necessariamente a existência de externalidades7.
As externalidades, conforme se sabe, sejam elas positivas ou negativas são consideradas evidências de que um mercado sem intervenção estatal não é eficiente (no sentido de Pareto) na alocação dos recursos, uma vez que se parte da premissa de que esses custos ou benefícios externos não seriam levados em conta na formação do preço em um mercado livre. Assim, com base nesses fundamentos, advoga-se a necessidade de intervenção do Estado, a fim de que este possa criar mecanismos capazes de “internalizar as externalidades”, por meio da criação de condições para que o mercado se desenvolva de forma eficiente.
Por exemplo, como ninguém pode ser excluído do uso de bens públicos, alguns teóricos sustentam que sem um Estado para impor sanções aos sonegadores, os cidadãos, na esperança de “pegar uma carona” (problema do free rider) na contribuição dos outros, deixariam de contribuir, uma vez que do ponto de vista racional o melhor é receber benefícios a custo zero. .
Contudo, o problema com esse tipo de “racionalidade” é que se todos agirem assim não existirá “veículo” para se pegar carona, tendo em vista que um agente egoísta só pode se beneficiar de externalidades
positivas se existirem agentes altruístas que se disponham a arcar os custos. Essa situação foi chamada por OLSON de dilema da ação coletiva8
Com base nessa argumentação, defende-se que a existência de sanções tributárias seria uma forma de “internalizar as externalidades”, criando-se uma espécie de “altruísmo artificial” que ao eliminar o dilema da ação coletiva viabilizaria a existência de grandes empreendimentos, os quais dificilmente poderiam ser realizados com base exclusivamente no instinto de cooperação e solidariedade dos indivíduos. Entretanto, os defensores dessas políticas estão cientes de que se o custo de “pegar carona” for menor do que o de contribuir, os agentes continuarão a sonegar os impostos, sendo as sanções penais, por conseguinte, uma alternativa para impedir que as medidas administrativas sejam ineficazes como conseqüência de análises de custo de oportunidade realizadas pelos agentes.
Todas essas breves considerações são importantes, pois chamam a atenção para o fato de que a transposição para o Direito penal dos critérios mencionados demanda maiores reflexões, uma vez que quando SAMUELSON os formulou, baseou-se em um contexto normativo específico, tomando-o como uma questão a-histórica. Por esse motivo não tardou para que outros economistas logo apontassem uma série de erros em sua metodologia, uma vez que muitos dos supostos bens considerados por SAMUELSON como indivisíveis e públicos, não passaram, em outros períodos históricos, de simples bens individuais9.
Assim, conclui-se esta sucinta análise com o sentimento de que é extremamente louvável essa nova discussão em torno de se definir os aspectos ontológicos e normativos dos bens coletivos; contudo, o debate parece que está apenas no começo, impendendo-se um aprofundamento das pesquisas sobre tal intrincada questão que tem a ver não apenas com Direito penal, mas com a própria função a ser desempenhada pelo Direito na contemporaneidade.

● Este trabalho faz parte de um projeto de pesquisa desenvolvido com o apoio da Fundação Nacional de Desenvolvimento do Ensino Superior Particular (FUNADESP), e do Centro Universitário Curitiba (UNICURITIBA), sob orientação do Professor Fábio André Guaragni. Sou muito grato também ao Professor Robson A. Galvão da Silva pelo constante apoio e ensino.
1 De acordo com HEFENDHEL, um bem satisfará respectivamente os três critérios mencionados se o consumo desse bem por parte de um indivíduo não restringe o consumo de outro; se for real, conceitual, e juridicamente impossível dividir esse bem em partes e atribuir uma porção a cada um e, por fim, se ninguém puder ser excluído de seu uso. Todavia, a inaplicabilidade desses critérios é notória quando se está diante de bens de natureza econômica, podendo-se citar a atividade tributária como exemplo. Com efeito, todos sabem que a arrecadação e aplicação dos tributos é proporcional ao nível de atividade da economia, não existindo fundamento ontológico para supor que bens que antes eram escassos e, portanto, divisíveis, passariam a existir de forma abundante pelo simples motivo de terem passado das mãos do particular para o Estado. Ora, se assim o fosse, bastariam emissões monetárias para acabar com a fome no mundo!
2As aspas são porque a água, por exemplo, era um bem econômico muito antes do homem descobrir seu caráter escasso.
3SCHULENBURG, Johanna. Relaciones Dogmáticas entre bien jurídico, estructura del delito e imputacíon objetiva. In: HEFENDHEL, Holand. La teoria del bien jurídico¿ Fundamento de legitimacíon del derecho penal o juego de abalorios dogmático?Madrid: Marcial Pons, Ediciones Jurídicas y Sociales S.A, 2007, p. 349-362, p. 353.
4Nesse sentido, destaca-se a posição de HEFENDHEL que considera ser a saúde pública um dos exemplos desses falsos bens coletivos que precisam ser desmascarados: HEFENDEHL, Roland. Debe ocuparse el Derecho Penal de riesgos futuros? Bienes jurídicos colectivos y delitos de peligro abstrato, 2002. p.9
5ALEXY, Robert. “individuelle Recht und Kollektive Güter”, in: WEINBERGER. Internationales jahrbuch für Rechtsphilosophie und Gesetzgebung, Aktuelle Probleme der Demokratie”, Wien, 1989.p. 49,54. Vide a citação de: HEFENDEHL, Roland. Debe ocuparse el Derecho Penal de riesgos futuros? Bienes jurídicos colectivos y delitos de peligro abstrato, 2002. p.4
6SAMUELSON, Paul Anthony. The Review of Economics and Statistics, Vol. 36, No. 4, 1954, p. 387-389.
7 Externalidades em economia são os custos ou benefícios de uma atividade que transcendem o mercado específico no qual a mesma se desenvolve. Por exemplo, a poluição causada por uma empresa petrolífera é um custo mesmo para aquele que não obtém qualquer benefício pela exploração do petróleo.
8 Destaque-se que OLSON defendeu esse posicionamento com base no conceito de bens públicos desenvolvido SAMUELSON. Para uma visão mais aprofundada do dilema da ação coletiva ver: OLSON, Macur. A Lógica da Ação Coletiva. São Paulo: Edusp, 1999.
9 Embora tenham aparecido muitos trabalhos críticos com relação aos critérios desenvolvidos por SAMUELSON, o mais famoso é o do economista RONALD COASE que ganhou o prêmio Nobel em 1991. Normalmente, alegava-se, com base no pensamento de SAMUELSON que os faróis de navegação seriam típicos exemplos de bens públicos. Contudo, tais assertivas se baseavam em puras intuições a-históricas, o que restou comprovado quando COASE demonstrou que na Inglaterra do séc XIX os faróis eram privados e os navios tinham que pagar por seu uso quando chegassem ao porto. Com efeito, a constatação de COASE é perfeitamente adequada com a tese de que embora SAMUELSON tenha formulado seus critérios a partir de uma realidade normativa, muitos economistas, até hoje, entendem esses critérios como se fossem de natureza ontológica, o que, conforme se viu, não parece ser o caso. Para uma visão mais aprofundada Vide: COASE, Ronald, "The Lighthouse in Economics," The Journal of Law and Economics, 1974. p. 357-376.

Fernando dos Santos Lopes foi pesquisador da Funadesp e é sócio fundador do instituto Brasileiro de Direito Penal Econômico, atual segundo coordenador do site.

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