Sejam bem vindos defensores da liberdade!!

O Instituto Brasileiro de Direito Penal Econômico, fundado por pesquisadores com uma visão humanista de direito, dá as boas vindas a todos aqueles que como nós receberam a missão de lutar para que o ser humano sempre esteja acima das superestruturas sociais, sendo o alfa e o ômega do processo de construção de uma sociedade livre e justa.















































































sexta-feira, 26 de novembro de 2010

A DEFESA DE PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS

Em trecho muito sugestivo de A origem da tragédia, Nietzsche narra que os gregos conheceram e sentiram as angústias e os horrores da existência, e que, para poderem viver, levados pela mais imperiosa das necessidades, tiveram de “gerar em sonho o mundo brilhante dos deuses olímpicos”.1 Aproveitando, em parte, essa alegoria, pode-se afirmar que a criminalidade violenta ou astuciosa dos dias correntes é enfrentada com a invocação de antigos e novos santos das procissões religiosas; com os movimentos humanitários que pregam paz e amor; com os símbolos que se remetem à divindade; com o discurso político do crime a exigir o retorno e o recrudescimento das penas corporais; com a declaração de guerra a determinados guetos e setores sociais; com a sacralização da doutrina do direito penal do inimigo; com a multiplicação de normas incriminadoras que atende às exigências de um direito penal de ocasião.
Na administração da justiça penal, os seus operadores sofrem a amarga experiência da inflação legislativa, responsável por um tipo de direito penal do terror que, ao contrário de seu modelo antigo, não se caracteriza pelas intervenções na consciência e na alma das pessoas, e passa a levar à frente as bandeiras do preconceito ideológico e da intolerância social. Ele se destaca, atualmente, em duas perspectivas bem definidas: a massificação da responsabilidade criminal e a erosão do sistema positivo. A primeira, fomenta o justiçamento social determinado pelos padrões sensacionalistas da mídia que subverte o princípio da presunção de inocência e alimenta a fogueira da suspeita, que é a justiça das paixões, consagrando a responsabilidade objetiva; a segunda, anarquiza os meios e os métodos de controle da violência e da criminalidade e revela a ausência de uma Política Criminal definida e permanente nos planos dos governos federal, estadual e municipal.
No ano de 1991, precisamente no dia 25 de março, a Folha de São Paulo, na seção “Tendências e Debates”, publicou artigo de minha autoria, “Direito penal do terror”, no qual foi denunciada a edição de novas leis que, além de provocar um sentimento de opressão ilegítima, atentavam contra a segurança jurídica que devem guardar as normas penais. O título do texto inspirou o Procurador da República, Garcez Ramos, a elaborar de um valioso estudo, denominado: A inconstitucionalidade do ‘Direito Penal do Terror’. Uma das conclusões apresentadas pelo Professor de Direito Processual Penal da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná, foi esta: “. Os princípios penais explicitados na Constituição e os inferíveis a partir de sua interpretação sistemática são juridicamente eficazes e a violação dos mesmos por parte da legislação infra-constitucional importará na inconstitucionalidade da respectiva lei”.2
O nosso país conheceu somente duas consolidações da legislação penal: a procedida pelo esforço beneditino do Desembargador Vicente Piragibe (1932) e a realizada pelo Código Penal de 1940. Este diploma, no art. 360, resume, como objeto de legislação especial, somente os crimes a) contra a existência, a segurança e a integridade do Estado; b) a guarda e o emprego da economia popular; c) de imprensa; d) de falência; e) de
responsabilidade do Presidente da República e governadores ou interventores; f) militares. Falhou a tentativa do Código Penal de 1969 (Dec.-lei nº 1.004, de 21.10), reformado pela Lei nº 6.016, de 31.12.1973, que, após indicar dez espécies de ilícito que comporiam a legislação extravagante (crimes contra a segurança nacional e a ordem política e social etc.), expressamente reconheceu a impossibilidade de consolidar as leis especiais já existentes em grande número, com a seguinte expressão: “bem como os previstos em outras leis e não incorporados a este Código (...)” (art. 401).3
O fenômeno, porém, não é exclusivamente brasileiro e nem é novo. O expansionismo penal já era denunciado no Século XIX, por Francesco Carrara, Franz von Liszt e Reinhart Franck, como observa Luiz Luisi em minucioso levantamento.4 Em nosso país, a proteção constitucional de novos ramos jurídicos, a crescente sensibilização da opinião pública, a necessidade de amparar interesses resultantes do desenvolvimento econômico e os riscos gerados pelas novas tecnologias são alguns dos fatores determinantes da explosão normativa, cujos pedaços dos edifícios clássicos criaram microssistemas em função de interesses ou de pessoas. Os penalistas contemporâneos da América Latina têm denunciado o mesmo problema, agravado com o endurecimento do direito penal nuclear, “fenômeno este que se vincula com el mencionado resurgimiento del punitivismo”.5 A discussão atual sobre o tema da legitimidade da pena criminal assume especial relevo com a massificação de normas incriminadoras, gerando o chamado direito penal simbólico. A propósito, García-Pablos de Molina: “El problema se plantea cuando se utiliza deliberadamente el Derecho Penal para producir un mero efecto simbólico en la opinión publica, un impacto psicosocial, tranquilizador en el ciudadano, y no para proteger con eficacia los bienes jurídicos fundamentales para una convivencia”.6
A hipercriminalização de condutas de menor ou de insignificante relevo ofensivo, tem sido tarefa rotineira do Congresso Nacional, em violação manifesta ao princípio da intervenção mínima. Já foi dito, com muita propriedade, que o Direito Penal é o “soldado de reserva” para combater o crime quando falharem outros meios. “Somente quando a sanção civil se apresenta ineficaz para a reintegração da ordem jurídica, é que surge a necessidade da enérgica sanção penal. (...) Se um fato ilícito, hostil a um interesse individual ou coletivo, pode ser convenientemente reprimido com as sanções civis, não há motivo para a reação penal”.7 Meios de comunicação de massa, instrumentalização do Direito Penal e a técnica legislativa, compõem a tríade que Montes Flores denuncia, no seu artigo como “la demagogia del legislador penal”.8
Creio que somente uma emenda constitucional, para determinar que as matérias atinentes aos crimes e às penas, às hipóteses de prisão e de recursos, sejam objeto de lei complementar, que exige maioria absoluta para a sua aprovação (CF, art. 69), poderá colocar a dignidade da ciência penal a salvo da torre de babel normativa, que a expõe ao serviço da intolerância e do poder arbitrário.
Além do Direito Civil, também o Direito Administrativo e o Direito Tributário contêm uma reserva de sanções que permitem reprimir e prevenir suficientemente variadas formas de ilicitude que estão previstas no Código Penal e em leis especiais. A propósito, a Seção I, do XIV Congresso Internacional de Direito Penal (Viena, 1989), tratou dos problemas teóricos e práticos relativos à despenalização de infrações de menor relevo social e à transferência delas, do domínio do Direito Penal tradicional, para o do Direito Administrativo Penal.9 Essa subsidiariedade do Direito Penal tem sido afirmada por inúmeros autores, a exemplo do imortal Jiménez de Asúa, ao sustentar que “no existe un injusto penal, outro civil, outro administrativo, etc. (…). El Derecho Penal garantiza, pero no crea las normas”.10 No ordenamento legal brasileiro, a subsidiariedade deve ser observada especialmente nas infrações penais econômicas, contra a ordem tributária e contra a economia popular.
Como princípios fundamentais de Direito Penal, são reconhecidos (além da legalidade): a humanidade das sanções, a presunção de inocência, a anterioridade da lei penal, a intervenção mínima, a culpabilidade, a aplicação da lei mais favorável, a proteção dos bens jurídicos, a personalidade, a individualização, a proporcionalidade, a necessidade e a utilidade.
O INSTITUTO BRASILEIRO DE DIREITO PENAL ECONÔMICO, fiel à sua concepção basilar de defender os princípios fundamentais de Direito Penal à luz da Constituição e dos valores democráticos que a promovem, cumprirá esse ideal através de um movimento crítico racional, com diversas atividades acadêmicas, edição de textos científicos, divulgação da jurisprudência garantista e publicação periódica da vida e da obra dos pensadores antigos e modernos que, embora sem a auréola da divindade, praticam, no mundo terreno dos dramas e das tragédias da condição humana, as mais corajosas e fecundas lições de resistência contra o abuso de autoridade e o desvio de poder.
Afinal, e lembrando as sábias palavras de advertência de Roxin, “un Estado de Derecho debe proteger al individuo no solo mediante el Derecho penal, sino tambíen del Derecho penal. Es decir, que el ordenamiento jurídico no sólo ha de disponer de métodos y medios adecuados para la prevención del delito, sino que también ha de imponer límites al empleo de la potestad punitiva, para que el ciudadano no quede desprotegido y a merced de una intervención arbitraria o excesiva del ‘Estado Leviatán’”.11


1 NIETZSCHE, Frederico. A origem da tragédia. 2ª ed., trad. De Álvaro Ribeiro, Lisboa: Guimarães Editores, 1972, p. 47.
2 GARCEZ RAMOS, João Gualberto. Ob.cit., Curitiba: Juruá Editora, p. 91 (os destaques em itálico são meus).
3 A Lei nº 6.016/73 foi revogada pela Lei nº 6.578, de 11.10.1978, sem nunca ter entrado em vigor.
4 Os princípios constitucionais penais, Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, p. 28e s.
5 CESANO, José Daniel. La política criminal y la emergência (Entre el simbolismo y el resurgimento punitivo), Córdoba: Editorial Mediterránea, 2004, p. 26/27.
6 GARCÍA-PABLOS DE MOLINA, Antonio. Derecho Penal, Introducción, Madrid: Faculdad de Derecho de la Universidad Complutense, Madrid, 2000, p. 97. (Os destaques em itálico são meus).
7 HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal, 2ª ed., Rio de Janeiro: Revista Forense, 1958, vol. VII, p. 178. BATISTA, Nilo. Introdução crítica ao direito penal brasileiro, 10ª ed., Rio de Janeiro: Editora Revan, 2005, p. 87.
8 MONTES FLORES, Efrain. Texto publicado em Dogmática penal del tercero milênio. Libro homenaje a los professores Eugenio Raul Zaffaroni y Klaus Tiedmann, Lima (Perú): ARA Editores, E.I.R.L, p. 385 e s.
9Revue Internationale de Droit Penal, Toulouse: ed. AIDP – Eres, 61º année – nouvelle série, 1 e 2 trimestre de 1990, p. 87.
10 JIMÉNEZ DE ASÚA, Luis. La ley y el delito, Caracas: Editorial “Andrés Bello”, 1945, p. 19. Essa conclusão está reafirmada mais detalhadamente em seu Tratado de Derecho Penal, 3ª ed., Buenos Aires: Editorial Losada, S.A., 1964, tomo I, p. 40 e s.
11 ROXIN, Claus. Derecho Penal – Parte General, traducción de la 2ª edición alemana y notas por Diego-Manuel Luzón Peña, Miguel Díaz y García Conlledo e Javier de Vicente Remesal, Madrid (España): Civitas Ediciones, 1997, tomo I, § 5, p. 137 (os destaques em itálico são meus).

René Ariel Dotti
Presidente Honorário do IBDPE

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