Sejam bem vindos defensores da liberdade!!

O Instituto Brasileiro de Direito Penal Econômico, fundado por pesquisadores com uma visão humanista de direito, dá as boas vindas a todos aqueles que como nós receberam a missão de lutar para que o ser humano sempre esteja acima das superestruturas sociais, sendo o alfa e o ômega do processo de construção de uma sociedade livre e justa.















































































terça-feira, 25 de janeiro de 2011

IBDPE apóia palestras promovidas pela Escola Superior de Advocacia (ESA)

O processo penal na Alemanha e a pena de morte nos Estados Unidos são temas de duas palestras que vão acontecer no próximo dia 3 de fevereiro, quinta-feira, na sede da OAB Paraná. São duas palestras promovidas pela Escola Superior de Advocacia (ESA) que abrem a programação de eventos da Seccional em 2011. A advogada Claudia Schubert, que atua na Alemanha e Estados Unidos, vai falar sobre “Princípios do processo penal alemão como garantias constitucionais”e Ángel Ricardo Oquendo, professor titular da Faculdade de Direito da Universidade de Connecticut, nos Estados Unidos, vai tratar do “Direito de acesso consular e pena de morte nos Estados Unidos”. As duas palestras vão acontecer na sequência, no dia 3 de outubro, a partir das 19 horas. Os interessados em participar devem se inscrever com antecedência pois as vagas são limitadas. A inscrição é gratuita. Fonte: http://www.oabpr.org.br

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Ciudadanos presenta su propuesta de pacto anticorrupción

La iniciativa propone tipificar como delito la financiación ilegal de los partidos, obligarles a devolver el dinero sustraído, publicar el patrimonio de los políticos o limitar el gasto electoral, entre otras medidas.
Ciudadanos ha presentado este lunes su propuesta de pacto anticorrupción plasmado en un decálogo de medidas que, a través de una serie de modificaciones legales orientadas a la prevención, disuasión y al control económico, pretende “restaurar entre todos la confianza de los ciudadanos en sus políticos”.
El presidente de la formación, Albert Rivera, ha señalado que supone “un primer paso para que la corrupción política deje de ser uno de los principales problemas de la ciudadanía; un reto que exige, además de reformas, un cambio de actitud por parte de la clase política”, porque, “si para los catalanes y el conjunto de españoles los políticos están entre sus tres principales preocupaciones tenemos un grave problema de calidad democrática“.
“Devolución del dinero sustraído”
La iniciativa, que ha sido enviada a presidente de la Generalidad, a todos los grupos del Parlamento autonómico, y a su presidenta, plantea “el compromiso de los partidos a asumir la responsabilidad que les corresponde de reparar el mal causado tras un caso de corrupción en sus filas, a través de la devolución del dinero sustraído del erario público”.
Además, insta a reformar el Código Penal de manera que la financiación irregular esté tipificada como delito y tenga su propia pena, y a la exclusión de la corrupción política del debate político para que la corrupción no sea utilizada como un arma política y todos los casos sean tratados por igual.
Separación del imputado de su cargo político
Ciudadanos también propone que sean los propios partidos los que controlen, a priori y a posteriori, la corrupción en sus filas, en primer lugar, a través, de un organismo de control interno que colabore de la mano con la Oficina Antifraude y en segundo lugar, a través de la separación del imputado de su cargo público, por lo menos, hasta que se demuestre su inocencia.
También se incluye además un sistema de control económico en los partidos orientado a la transparencia: declaración pública del patrimonio, control de las cuentas de los partidos e instituciones, transparencia de financiación de los partidos políticos y fundaciones, la regulación de las donaciones y la limitación del gasto electoral.

Fonte. lavozdebarcelona.com

A teoria da cegueira deliberada e o Direito penal brasileiro.

A jurisprudência dos EUA, ao longo do último século , construiu o raciocínio segundo o qual atua dolosamente o agente que preenche o tipo objetivo ignorando algumas peculiaridades do caso concreto por ter se colocado voluntariamente numa posição de alienação diante de situações suspeitas, procurando não se aprofundar no conhecimento das circunstâncias objetivas. Trata-se da teoria da cegueira deliberada.
Fora do sistema da Common Law, o Tribunal Constitucional da Espanha vem acatando esse entendimento há quase uma década , no sentido de dizer que atua dolosamente quem pratica o núcleo do tipo, diante de uma situação suspeita, colocando-se em condição de ignorância, sem se importar em conhecer mais a fundo as circunstâncias de fato.
No Brasil, MORO, em matéria de lavagem de capitais, defende serem subjetivamente típicas condutas que tenham sido praticadas nessa situação de autocolocação em estado de desconhecimento , quando o agente procura não conhecer detalhadamente as circunstâncias de fato de uma situação suspeita.
Sobre o tema houve, recentemente, na jurisprudência brasileira, um importante precedente. Trata-se da sentença que julgou os supostos autores e partícipes do furto de mais de R$ 160 milhões dos cofres do Banco Central em Fortaleza/CE. Dentre os acusados, estavam dois vendedores de carros que realizaram negócios com os supostos ladrões, recebendo altas somas de dinheiro vivo em troca das mercadorias. Ao considerar que o furto foi praticado por uma organização criminosa (enquadrando-se na hipótese do artigo 1º, inciso VII, da Lei n. 9.613/98), o juiz singular, aplicando a teoria da cegueira deliberada, condenou os dois comerciantes por lavagem de dinheiro, asseverando que agiram com indiferença à estranheza da negociação realizada com dinheiro em espécie, assumindo o risco de vender automóveis em troca de dinheiro sujo. Em segunda instância, o TRF da 5ª Região afirmou expressamente que a doutrina da cegueira deliberada é aplicável a todos os delitos que admitam o dolo eventual. Contudo, como a imputação dizia respeito ao artigo 1º, § 2º, inciso I, da Lei de Lavagem de Dinheiro, que só admitiria o dolo direto, reformou-se a sentença de primeira instância .
O problema da cegueira deliberada é, em verdade, um problema de dolo eventual: cabe perquirir se, segundo o ordenamento pátrio, atua com dolo aquele que, diante de situações suspeitas, age de modo a possivelmente praticar o tipo objetivo sem se importar em conhecer mais a fundo as circunstâncias de fato.
Desde já, cabe assentar uma premissa: quando se trata de ignorância deliberada, fala-se sempre em certo grau de suspeita a respeito das circunstâncias de fato. O sujeito tem alguma noção daquilo que o rodeia, chegando a suspeitar da existência de alguma ilegalidade. A ignorância intencional se dá a respeito apenas de eventuais conhecimentos adicionais que poderiam vir a ser conhecidos caso o agente empreendesse uma investigação, ainda que sucinta.
Sabe-se que o dolo eventual é conceituado legalmente a partir da assunção do risco de produzir o resultado da ação típica (artigo 18, inciso I, CP). Mas é claro que essa modalidade dolosa também exige o elemento cognitivo. Em primeiro lugar, porque é impossível, logicamente, assumir o riso de produzir o resultado daquilo que não se conhece, ao menos minimamente. Em segundo, porque o próprio artigo 20 do CP prevê que o erro sobre elemento constitutivo do tipo exclui o dolo.
Na doutrina brasileira, ensinam ZAFFARONI e PIERANGELI que não se exige, para o dolo eventual, o completo conhecimento dos elementos do tipo objetivo. Para eles, há dolo eventual mesmo quando o autor duvida de alguns desses elementos e, mesmo assim, age de modo a assumir o risco de produzir o resultado normal do tipo, conformando-se com ele.
Esse é o mesmo entendimento de ROXIN , que afirma agir com dolo eventual aquele que, suspeitando da presença dos elementos do tipo objetivo – mas sem a certeza absoluta –, age de modo a possivelmente produzir o resultado típico.
De qualquer forma, ainda que se admita o dolo eventual em casos de dúvida acerca de elementos do tipo objetivo, é certo que se exige o efetivo conhecimento acerca de um mínimo de circunstâncias de fato: ou se tem um certo conhecimento de elementos do tipo objetivo, quando se poderá falar em dolo (direto ou eventual), ou não se tem, e aí só se poderá falar em culpa.
Isso porque o conhecimento potencial dos elementos do tipo objetivo não configura o dolo eventual, diferentemente do que ocorre com o conhecimento potencial da antijuridicidade do fato, que enseja a culpabilidade . O mínimo de representação das circunstâncias do tipo objetivo deverá estar efetivamente presente no momento da conduta, não se aceitando que o agente pudesse vir a ter esse conhecimento mínimo exigido caso se esforçasse para tanto.
Pode-se concluir, com apoio no entendimento de SANTOS , que o estado de ignorância acerca do mínimo conhecimento exigido afasta o dolo. O desconhecimento, ainda que advenha de uma autocolocação em estado de alienação, está em relação de exclusão lógica com qualquer espécie de dolo.
Neste ponto, todavia, cabe indagar: tratando-se de situações suspeitas, qual é o grau de conhecimento que permite diferenciar o dolo eventual da culpa consciente? A resposta a essa pergunta, segundo se entende, dependerá das circunstâncias de cada caso concreto, quando então será possível avaliar qual o grau de ciência das circunstâncias de fato, no momento em que se praticou a conduta descrita no tipo objetivo.
Em verdade, o problema não é o fato de o agente não se aprofundar no conhecimento, até porque a lei, em regra, não obriga que se efetue tal investigação. A resposta estará no grau de conhecimento que o autor efetivamente possui ao cometer o tipo objetivo: se há sérios indícios (representados no intelecto), poderá haver dolo eventual, independentemente de o agente ir além na investigação. Afinal, nessa hipótese o autor terá o conhecimento necessário das pertinentes circunstâncias do fato, suficiente para a caracterização do dolo eventual. Porém, na ausência desses sérios indícios, não há dolo, pelo simples fato de que o conhecimento exigível para a configuração de qualquer espécie dolosa deve ser sempre atual, e não potencial.
Ao se tratar da cegueira deliberada, tem havido uma inversão na ordem de importância do que efetivamente deve ser analisado. Prioriza-se aquilo que o sujeito não sabe (os conhecimentos adicionais potencialmente alcançáveis), ao invés de estudar-se aquilo que está devidamente representado pelo autor ao decidir prosseguir agindo. É certo que sempre será possível ao agente conhecer mais a fundo as circunstâncias do caso concreto, motivo pelo qual não é correto enaltecer aquilo que o sujeito poderia vir a conhecer.
Em conclusão, em sistemas jurídico-penais como o brasileiro, acredita-se ser de pouca valia a teoria da cegueira deliberada. Tudo o que integra essa cegueira, ou seja, todos os elementos de fato que não são representados pelo agente, por intencionalidade ou não, não integram o elemento intelectual do dolo e, portanto, não podem acarretar nenhuma condenação por crime doloso.





Robson Galvão e Christian Laufer - Publicado no Boletim do IBCCRIM de 11/2009

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE A PROBLEMÁTICA DO TRATAMENTO DO ERRO NO DIREITO PENAL ECONÔMICO

Robson A. Galvão da Silva
Há certo consenso na doutrina ao se afirmar que o setor relativo ao Direito penal econômico possui determinadas peculiaridades que permitem individualizá-lo e que servem para o diferenciar dos outros setores que tradicionalmente foram enquadrados no Direito penal “clássico”, “primário”, “comum” ou “nuclear”. Chegou-se a cogitar sobre uma verdadeira autonomia científica do Direito penal econômico frente ao Direito penal primário1
Como se sabe, a legislação brasileira não confirma ou reconhece explicitamente tal autonomia. No entanto, isso não é óbice para que se postule um tratamento mais adequado, considerando-se essas especificidades, na medida em que as diversas instituições dogmáticas elaboradas pela teoria penal permitam chegar a soluções jurídicas distintas das que se sustentam para o Direito penal primário, com redução de garantias2. Em alguns casos, trata-se simplesmente de efetuar algumas matizações ou correções a instituições penais tradicionais, quando elas são utilizadas como instrumento para a interpretação dos delitos econômicos, mas, em outros casos, propõe-se, inclusive, a idealização de novos princípios jurídico-penais de imputação, diferentes dos tradicionais.
Neste trabalho, não se ingressará na discussão a respeito da aventada autonomia científica do Direito penal econômico. Isso decorre, além da limitação de espaço, da constatação de que o legislador brasileiro não fez, até o momento, essa opção. Os delitos econômicos permanecem sujeitos à regulação da Parte Geral do Código Penal. Conseqüentemente, estão submetidos aos princípios de garantia tradicionais e sujeitos às mesmas regras de imputação previstas para o Direito penal primário.
Apesar disso, no que se refere aos critérios de imputação, eles não podem ser transladados acriticamente ao âmbito econômico, como adverte MARTÍNEZ-BUJÁN PÉREZ 3. O que se tem feito é acomodar as tradicionais estruturas às características particulares dos delitos econômicos, sem que se matize qualquer princípio de garantia, sendo isso o que deve ser buscado pelo aplicador do Direito, pois, em algumas situações, não há como aplicar as instituições tradicionais ao Direito Penal econômico, sem reduções de garantias.
É assente na doutrina que na matéria do erro coloca-se uma das questões de maior relevo4, que permite deixar clara a especificidade das normas do Direito penal econômico e, consequentemente, atesta a
necessidade de reformular as teses e conclusões que tradicionalmente se vinha sustentando em relação aos delitos pertencentes ao Direito penal primário 5.
A importância prática do tema é grande, visto que a distinção entre erro de tipo e erro de proibição ganha ainda mais relevância especificamente nesse setor, ao se constatar que no Direito penal econômico, normalmente, não são criminalizadas modalidades imprudentes. Assim, ao se considerar um erro como sendo erro de tipo, ainda que se considere vencível, ter-se-á a absolvição do acusado. De outra via, a questão gera efeitos em matéria de participação, porque se o erro se situa no âmbito da exclusão do tipo, a não aplicação da pena estender-se-á às condutas dos partícipes.
Proporcional à importância do assunto é a sua dificuldade. Com efeito, em razão das peculiaridades do bem jurídico protegido pelo Direito penal econômico, o legislador passou a usar algumas técnicas específicas de tipificação. Não há dúvida que o tipo dos delitos econômicos é repleto de elementos normativos, elementos de valoração global do fato e de remissões a outras normas jurídicas 6. A conduta incriminada, em grande parte, não é composta por uma realidade objetiva do mundo do ser, mas por uma realidade referente a normas e valorações jurídicas (o que não lhe tira seu caráter objetivo).
Tradicionalmente, aceita-se que a discrepância entre o desconhecimento subjetivo de dados objetivos se resolve no sentido de considerar que o desconhecimento é de fato e, portanto, da significação central do próprio atuar, exonerando o agente: quem não sabe o que faz não atua dolosamente.
Conforme bem observa TIEDEMANN, no entanto, a convicção do sistema baseado sobre tais princípios entra em crise nos casos em que o objeto da falsa representação subjetiva não está constituído por uma realidade objetiva do ser, mas pela realidade – também objetiva – das normas e das valorações jurídicas. Pensamentos jurídicos antigos consideravam esses erros irrelevantes, majoritariamente sobre a base da presunção de que a validez da norma não pode fazer-se depender de seu conhecimento e aprovação por parte dos particulares e, também, afirmando que com o reconhecimento de um erro relevante sobre a norma, o ordenamento jurídico questionaria sua validez: error iuris nocet. Sistemas mais evoluídos têm admitido, faz relativamente bastante tempo, exceções a essa regra, outorgando relevância ao erro de Direito nos casos em que as normas jurídicas não prescrevem, mas descrevem. Em outras palavras, nos casos em que o erro não se projeta sobre o mandato ou a proibição, mas sobre elementos do tipo ou pressupostos das causas de justificação. O erro sobre o caráter alheio de uma coisa já no Direito romano excluía o dolo de furto. Esse erro não é idêntico ao que recai sobre a proibição de subtrair coisas alheias 7.
O que ocorre, no Direito Penal econômico, é que a situação de fato, em grande parte, não é composta por uma realidade objetiva, do mundo do ser, como ocorre na maioria dos delitos tradicionais. Ao contrário, a situação típica refere-se a situações proximamente ligadas ao Direito, sendo essa a razão de o legislador utilizar
na descrição dos tipos econômicos elementos normativos jurídicos, elementos de valoração global do fato e a remissão a outras normas jurídicas. Assim, dentro da diferenciação entre representação errônea de tipo moral e de tipo intelectual, o erro de proibição no âmbito do Direito penal econômico se encontra, certamente, mais próximo do grau de valoração intelectual. Portanto, seu correto enquadramento no sistema penal deriva da teoria da norma jurídica, cujos aspectos objetivos devem encontrar, em todo caso, certa correspondência na consciência do sujeito8.
O tratamento do erro sobre os elementos normativos do tipo, sobre os elementos de valoração global do fato e sobre o complemento das leis penais em branco é extremamente controvertido na doutrina já quando se trabalha com o Direito penal clássico. Especificamente a respeito do erro sobre os elementos normativos, MAURACH/ZIPF afirmam ser a questão mais complexa e aberta de toda a teoria do erro, diante do grande número de opiniões conflitantes sobre o tema na doutrina9. Há, ainda, a questão da própria definição e delimitação dos elementos descritivos e normativos, bastante controvertida, apontando diversos doutrinadores no sentido de sua relativização10. A complexidade amplia-se ao se transladar essa problemática ao âmbito do Direito penal econômico11.
Não há como se deixar de mencionar, ainda, o elevadíssimo número de leis penais esparsas nesse âmbito, cujas condutas incriminadas nem sempre são desvaloradas socialmente, o que também deve ser considerado no tratamento do erro.
Diante das particularidades do Direito penal econômico, a doutrina tem apresentado três propostas para um tratamento mais adequado do erro: a) elaboração de alterações legislativas, de modo a que, nesse setor, sejam aplicados critérios idênticos aos da teoria do dolo; b) ampliação do âmbito de emprego do erro de tipo em prejuízo do erro de proibição; e, c) alargamento da esfera de invencibilidade do erro de proibição, com critérios diferentes dos que regem para o Direito penal primário. A segunda opção é que tem angariado mais adeptos na Europa.
No entanto, o tema, salvo raríssimas exceções, sequer é discutido no Brasil. Como consignado, não se deve buscar uma solução que adote critérios diferenciados para o Direito penal primário e para o Direito penal econômico. Acredita-se que é possível alcançar uma resposta adequada para o âmbito econômico, que não exija uma abordagem diferenciada dos delitos tradicionais. O que há são tipos legais, existentes em ambos os setores, ainda que preponderem no Direito penal econômico, com características peculiares, o que recomenda um tratamento de acordo com tais especificidades.
Diante disso, surge em boa hora o Instituto Brasileiro de Direito Penal Econômico, como fórum de debate desses assuntos que não podem mais permanecer alheios à maior parte da doutrina nacional e, sobretudo, dos operadores pátrios do Direito.

Notas:

1 MARTÍNEZ-BUJÁN PÉREZ, Carlos. Imputación Subjetiva. Manuales de Formación Continuada. Madrid, n. 14, p. 99-180, 2001. p. 100.
2 TIEDEMANN consigna que “Con cierta independencia de esta situación legal, el Derecho penal económico ofrece unas particularidades que se refieren a cuestiones de la Parte general ya sea desde el punto de vista de la técnica legislativa ya sea como consecuencia de que el Derecho penal económico abarca nuevos fenómenos sócio-económicos y llega por ello a soluciones novedosas en cuanto a su contenido”. TIEDEMANN, Klaus. Lecciones de Derecho Penal Económico: (Comunitario, español, alemán). Barcelona: PPU, 1993. p. 157.
3 MARTÍNEZ-BUJÁN PÉREZ, Carlos. Manuales de Formación Continuada. p. 100.
4 TIEDEMANN afirma que “Las cuestiones referentes al error constituyen para la dogmática jurídico-penal el banco de pruebas de la coherencia y validez de la teoría jurídica del delito. La proyección subjetiva de datos objetivamente existentes representa el supuesto normal en el cual la congruencia entre „lo objetivo‟ y „lo subjetivo‟ confirma la estructura del sistema penal”. TIEDEMANN, Estudios Jurídicos, p. 895.
5 Nesse sentido, vide: MARTÍNEZ-BUJÁN PÉREZ, Carlos. Derecho Penal Económico y de la Empresa: Parte General. 2ª ed. Valencia: Tirant Lo Blanch, 2007. p. 127. TIEDEMANN, Leciones de Derecho penal econômico, p. 158 e ss. TERRADILLOS BASOCO, Juan. Derecho penal de la empresa. Madri: Trotta, 1995. p. 36.
6 Nesse sentido, vide: MARTÍNEZ-BUJÁN PÉREZ, Derecho penal econômico, p. 127. Do mesmo autor, Derecho Penal Económico y de la Empresa, p. 399. E, especialmente, DOVAL PAIS, Antonio. Posibilidades y limites para la formulación de las normas penales: El caso de las leyes en blanco. Valencia: Tirant Lo Blabch, 1999. p. 55 e ss.
7 TIEDEMANN, Estudios Jurídicos, p. 895.
8 Nesse sentido, vide TIEDEMANN, Estudios Jurídicos, p. 895-896.
9 MAURACH, Reinhart; ZIPF, Hein. Derecho Penal: Parte General. Tomo I. Trad. Jorge Bofill Genzsch e Enrique Aimone Gibson. Buenos Aires: Editorial Astrea, 1994. p. 663.
10 Nesse sentido, vide SUAY HERNÁNDEZ, Celia. Los elementos normativos y el error. Anuario de Derecho Penal y Ciencias Penales. Madri, Tomo XLIV, Fascículo I, p. 97-142, 1991. p. 30 e 44 e ss.
11 TIEDEMANN registra que “Sobre todo, en el Derecho penal accesorio, que en Alemania está actualmente conformado por casi 1000 leyes, se suscita la cuestión de si la existencia y contenido de las normas extrapenales que constituyen el objeto de referencia forman parte del tipo (penal) o pertencen a la prohibición (mandato)”. TIEDEMANN, Estudios Jurídicos, p. 896.

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

DIREITO PENAL, EVASÃO DE DIVISAS E O CHAPÉU DE GEISSLER.

Na luta pelos domínios de Uri, um bucólico cantão austríaco, o tirano Hermann Gessler – sequioso por demonstrar seu poder – obrigara a todos quanto por lá passassem a saudar um esgarçado chapéu que pendia em uma haste. Soldados asseguravam que a ordem fosse prontamente cumprida; e ao menor sinal de renitência submetiam os desavisados a pesados grilhões. Heroicamente, Wilhelm Tell não se dobrou à esdrúxula imposição, restando condenado a manejar uma balestra contra a cabeça do próprio filho. Eis o mito impregnado nas tradições germânicas, e difundido mundialmente...
Por vezes, o Estado atua como esses soldados de Gessler. Tutela, com a violência da pena criminal, a observância de imposições absolutamente despropositadas e inúteis; visando a mera demonstração da sua potestade... Poder pelo poder; força pela simples força!
Não vem ao caso discutir o conhecido apotegma de Blaise Pascal: ‘o Direito sem a força é impotência; mas a força sem o direito é tirania’, questão de resto sondada profundamente por Jacques Derrida (A força da Lei, Martins Fontes). Aqui, fico apenas com o marcante exemplo do direito penal cambiário, cujos preceitos têm censurado - com a restrição da liberdade de locomoção e com todas as suas mazelas - o descumprimento de imposições semelhantes àquela do cantão de Uri: a simples recusa de se dobrar o joelho para o chapéu do rei...
Por etapas: na sua origem, a questão está intimamente associada à chamada ‘norma monetária’. Conquanto a redação prístina do Código Comercial de 1.850 e do Código Civil de 1.916 houvesse permitido que os pactuantes escolhessem as próprias moedas a serem empregadas para a liquidação de seus contratos, é fato que – desde 1.920 – o Estado brasileiro tem proibido a celebração de acordos destinados a empregar moeda estrangeira em solo brasileiro, como meio corriqueiro de pagamento (atualmente, é o que dispõe a Lei n. 10.192/01).
Os exportadores – ao receberem dólares no exterior – não os poderão empregar, em solo brasileiro, para pagamento de seus alugueres; de seus empregados; de suas despesas, enfim. Os importadores tampouco poderão pagar seus fornecedores internacionais com a moeda brasileira, ainda não considerada ‘dinheiro forte’ e, portanto, recusada além das nossas fronteiras, em regra.
Sob esse quadro, a moeda estrangeira torna-se uma mercadoria, suscetível de precificação, disputada pelas pessoas. Seu preço submete-se, tanto por isso, à lei da oferta e procura, ficando condicionado pelas expectativas dos agentes do Mercado. Em boa lógica, quanto maior o volume de dólares em um dado país, menor será o seu valor (quando confrontado com a moeda nacional), e vice-versa, salvo alguma anomalia do mercado.
O problema todo é que, com o Tratado de Bretton Woods – celebrado em 1.944, em New Hampshire, EUA (responsável pela criação do FMI) – os países estipulantes obrigaram-se a tabelar suas moedas frente ao dólar. Vale dizer: a manter uma tarifa constante da moeda própria, quando comparada com o dinheiro estadunidense. Por conseqüência, ao que interessa, a República Federativa do Brasil obrigou-se, então, a controlar o volume de divisas na posse de bancos e de outros agentes econômicos brasileiros.
E como conseguiria isso? Apenas mediante o monopólio estatal. O Estado obrigava-se a adquirir todas as divisas ofertadas (constrangendo os exportadores a repassar-lhe os dólares pagos, pelos adquirentes, no
exterior); e a fornecer as divisas demandadas (repassando dólares para os importadores, p.ex.). Dado que o Estado não fabricava (e ainda não fabrica, ao que se saiba) dólares, a solução era a restrição draconiana do fornecimento de divisas para viagens; cirurgias no exterior; para a freqüência a algum curso internacional, etc. Àquela época, o Estado brasileiro tinha uma resposta padrão: este mês o senhor não poderá viajar para a Europa, eis que as divisas serão destinadas prioritariamente para a aquisição de petróleo e demais insumos da indústria de base.
Cediço, todavia, que esse monopólio criou espaço para mercados paralelos, destinados a satisfazer necessidades não atendidas suficientemente pelo Estado. Na sua origem, o mercado clandestino decorria dessas restrições de acesso a divisas (vedação de cirurgias no exterior, reitero), alimentado por exportadores revoltados com a depreciação imposta pelo Estado para os seus dólares (eis que, no paralelo, conseguiriam preço muito superior àquele tabelado). A grosso modo, cuidava-se de subsídio público para determinadas atividades (p.ex., cultura cafeeira), carreando-se o custo para os importadores e outros agentes de mercado, conforme a estação.
Sob tal modelo econômico, o Estado impunha licenças prévias para as transferências de divisas para o exterior, fundadas em um exame de conveniência e oportunidade, absolutamente discricionário, com pontuais exceções (p.ex., direito subjetivo à remessa, pelas subsidiárias de empresas internacionais, de lucros e de juros). Destaco: tratava-se de uma análise ao talante da autoridade administrativa de plantão, quem poderia simplesmente indeferir a remessa por entender que, naquele mês, a transferência ameaçaria comprometer as ‘linhas de crédito internacionais’.
Esse o contexto econômico em que a Lei n. 7.492, de 1.986, foi cogitada. Seu artigo 22 tutelava, na origem, esse monopólio estatal; a preservação do volume de divisas em circulação no país. Estava impregnada do pressuposto de que a ocultação de dólares no exterior seria crime lesapátria, a demandar a mais gravosa punição, porquanto comprometedora do modelo fundado em uma concepção autoritária de Estado e no centralismo econômico.
Deixo de examinar tópico por tópico cada texto de lei elaborado nesse período. Cumpre apenas enfatizar que esse quadro mudou; e mudou substancialmente, sem que as normas penais tenham sido atualizadas. Os preceitos penais tutelam obrigações muitas vezes despropositadas, irracionais, quando não meros caprichos.
O monopólio começou a ruir com a criação do Mercado Flutuante, em 1.988 (dólar turismo), permitindo aos interessados a compra de dólares – até certo limite (US$ 4.000,00) – junto a agências de turismo. Inicialmente, permitiu-se a alimentação daquele novo mercado com dólares advindos do mercado paralelo (eis que se dispensou a identificação do vendedor de dólares para casas de câmbio, por alguns meses – Resolução n. 1.552/88, CMN).
Seguiu-se a criação do chamado ‘dólar comercial’ (Resolução n. 1.690/90, CMN) e – indo direto ao ponto – a cabal flexibilização do mercado de câmbio com a criação das chamadas CC-5, do tipo ‘3’ (de instituições financeiras estrangeiras), meio empregado pelo BACEN para assegurar confiança nos agentes econômicos internacionais.
A Carta Circular n. 05, de 1.969, previa apenas duas espécies de contas CC-5: as de ‘sobra’ de câmbio e as residuais (‘outras origens’). Àquela época, caso algum estrangeiro houvesse trazido consigo – ingressando no
Brasil – US$ 100.000,00 e aqui gasto, em cruzeiros, o equivalente a US$ 60.000,00, poderia abrir (mesmo sem CPF) uma conta corrente mantida em solo nacional e, ato contínuo, depositar o sobejo (ainda em cruzeiros) – equivalente a US$ 40.000,00 – e fechar câmbio e obter, no exterior, divisas correspondentes. Isso tudo sem a necessidade de prévia aquiescência e controle pela autoridade bancária central, ao contrário do que ocorria com as demais operações. Essa era a sistemática da CC-5 do tipo ‘1’.
Situação distinta ocorria com as CC-5 do tipo ‘2’ (outras origens), eis que destinadas ao pagamento, em solo brasileiro, de bolsistas estrangeiros. Aquela conta já não permitiria a transferência para o exterior, salvo quando concedida prévia licença pelo BACEN (análise de oportunidade e conveniência). Vale dizer: a conta de ‘outras origens’ não permitia a remessa sem que, antes, fosse concedida licença pelo BACEN.
Mas aquele quadro, constituído em 1.969, foi modificado com a já referida criação do mercado flutuante e do ‘dólar comercial’ (em que se permitiu a definição das taxas pelos próprios agentes do mercado). Em 1.992, com a Circular n. 2.252, o BACEN criou nova espécie de conta de não domiciliados – i.e., a chamada ‘tipo 3, de instituições estrangeiras’ – autorizando que Bancos estrangeiros captassem recursos em solo nacional, e - mesmo sem o prévio exame do BACEN, quanto a cada uma das operações – que fechasse câmbio e liberasse recursos correspondentes, no exterior.
Seguiram-se as Circulares n. 2.242/92 e n. 2.677/92, do BACEN, dispondo sobre a identificação dos remetentes e dos beneficiários, questão discutida em inúmeros processos judiciais. Mantiveram, porém, esse norte: o de que tais contas permitiriam a disponibilização de divisas no exterior, a favor dos depositantes, sem prévio exame do BACEN, quanto a cada uma das operações. Importa dizer: consagrou a concepção de que a constituição de disponibilidades financeiras no exterior seria um verdadeiro direito subjetivo individual, não mais condicionado a licenças prévias.
As chamadas ‘transferências internacionais em cruzeiros’ (depois, apelidadas de T.I.R. – transferências internacionais em reais) deixaram de estar condicionadas, pois, à análise de oportunidade e conveniência, pelas autoridades administrativas. Buscava-se, com isso, assegurar aos investidores internacionais a promessa de fácil retorno. Como diz Garófalo Filho, ‘... ao contrário dos pássaros, o dinheiro não ingressa onde há gaiolas’ . Logo, o Plano Real – fundado na captação internacional de recursos – deve muito da sua performance àquelas regras, ainda que aparentemente ilegais (eis que ofensivas às regras dos arts. 18 da Lei n. 4.595/64 e 52, ADCT, porquanto permitiam que bancos estrangeiros atuassem no Brasil sem prévio Decreto Presidencial).
Ora, naquele período – ao que se infere das suas circulares - o BACEN estava muito mais preocupado com a flexibilização do câmbio do que, propriamente, com qualquer política de compliance; com a suposta identificação dos remetentes e beneficiários. Explico.
Segundo a Circular n. 2.242/92 (art. 2º, inc. III) o interessado em constituir disponibilidades financeiras no exterior, via CC-5, deveria tomar a iniciativa de declarar, junto ao Banco interveniente, a natureza da operação; cabendo ao Banco depositário (i.e., mantenedor da conta corrente ‘normal’) a identificação do remetente e do destinatário. Como fazê-lo, se as contas CC-5 eram em tudo idênticas às demais? Se os controles analíticos previstos na Circular 2.259/92 não haviam sido implantados? Isto sem considerar que, naquele período, não havia um sistema informático como o atual.
Já a Circular n. 2.677/96 – já sob a égide da Lei n. 9.069/95 (art. 65) – corrigiu pontuais defeitos do diploma anterior. Obrigou, então, aos bancos mantenedores das contas CC-5 a identificação dos remetentes e
dos destinatários de recursos (art. 8º). E, pela suposta fraude contra aludida regra, muitos têm sido submetidos à argüição penal, acusados da prática de evasão de divisas (art. 22, Lei n. 7.492).
É gritante a impropriedade – para fins penais - do art. 1º, inc. II da Circular n. 2.242/92 (renovado no art. 7º, inc. II, da Circular n. 2.677/96, BACEN) quando pretende definir o conceito de ‘saída de divisas’. Cuidava-se de ficção destinada a justificar a captação, em solo brasileiro, de recursos por bancos estrangeiros sem prévio decreto presidencial. Segundo aquela Circular, a captação de recursos junto a uma CC-5 do tipo ‘2’ (de casas de câmbio paraguaias, p.ex.) seria o mesmo que captação de recursos no exterior. Por via de conseqüência, burlava-se – por vias oblíquas – a vedação do art. 18 da Lei n. 4.595 e do art. 52, ADCT já referidos acima.
Circular não pode pretender deturpar os conceitos veiculados na Lei Criminal, sob pena de agressão ao art. 5º, inc. XXXIX, CF. Do contrário, não tarda e teremos ‘portarias dicionários’ definindo o conceito de morte; de lesão; de dano, de modo a ampliar as cominações penais previstas nos arts. 121; 129; 163, CP, etc.
D’outro tanto, desde a flexibilização do Mercado de Câmbio, não há mais interesse na preservação do volume de divisas em circulação, eis que rompido o regime de monopólio. O próprio Estado, através do BACEN, reconheceu, ainda que tardiamente – como verdadeira prerrogativa individual – a constituição de disponibilidades financeiras no exterior. Até que enfim temos um quadro normativo tendente a dar cumprimento à garantia do art. 5º, inc. XV, da Constituição de 1.988 (já presente, por sinal, nas anteriores).
Atualmente, aquela norma do art. 22 da Lei n. 7.492 somente guarda sentido, caso orientada à tutela do controle informacional, pelo Estado, de modo a planejar eventual intervenção (via Dirty floating – i.e., retirada ou lançamento de divisas do mercado, de modo a influenciar episodicamente as taxas de câmbio). Questão por sinal já solucionada pelo Tribunal de Justiça da União Européia, com o conhecido caso ‘Aldo Bordessa’, com fulcro na diretiva 361/88 (decisão de 23 de fevereiro de 1.995).
Mas e o chapéu de Gessler?
Partindo da premissa de que, atualmente, o art. 22 da Lei n. 7.492 somente se justifica diante do interesse no controle de tais informações de câmbio, são possíveis duas conclusões: (a) a primeira, a de que – para tal fim – interessa ao Estado apenas o controle estatístico quanto ao volume de disponibilidades constituídas no exterior (a impropriamente denominada de ‘transferência internacional’, eis que as divisas já estão no exterior, em tal caso); (b) a segunda, a de que aludido controle também pode se prestar para a prevenção da lavagem de dinheiro (questão submetida, todavia, à lei própria, n. 9.613/98, com requisitos específicos).
E ainda que se suponha que a Lei Penal – para fins cambiários – nesse novo contexto de abertura econômica teria realmente interesse na cabal identificação dos remetentes e dos beneficiários, em tais transações, é fato que – em verdadeira aporia – o Estado (conquanto supostamente esforçado em tal identificação, art. 8º da circular 2.677) dispensou os bancos de cobrarem qualquer lastro documental (art. 10, §1º, da aludida circular).
Àquela época (1.996/1.997), a República Federativa do Brasil – pelo Poder Executivo - não preconizou qualquer banco de dados; qualquer sistema de filtro de informações; qualquer mecanismo de crítica de CPF’s fraudulentos; qualquer mecanismo de compartilhamento de informações com a Secretaria da Receita Federal. Limitou-se a exigir a identificação de remetentes e de destinatários, nada mais!
A norma é despropositada, quando compreendida em toda a sua amplitude, portanto. Exigiam-se dados (nomes dos remetentes e dos beneficiários) sem que fossem empregados para qualquer fim útil. Nada – absolutamente nada! – seria empreendido com tais dados (exigidos pelo art. 8º), dado que não confrontados com documentos; dado que não confrontados com a situação patrimonial de cada remetente ou beneficiário. Exigiam-se, dos bancos mantenedores nas contas CC-5 (já sob a Circular 2.677) a identificação dos envolvidos em tais operações; sem que – todavia – se exigisse o mais importante: a conferência de documentos, a serem lançados no dossiê reportado ao final do art. 8º daquele mesmo diploma.
Mal comparando, a imposição de pena, fundada no eventual descumprimento daquela regra do art. 8º, da Circular 2.677, pode se aproximar da figura daquele professor, supostamente austero que – exige trabalhos árduos dos seus alunos – mas que jamais lerá. Depois, tendo jogado fora tais provas sem lhe dedicar qualquer atenção, venha a sancionar quem não as tenha entregado. Para que sanção, se os dados eram inúteis? Por sinal, questão que encontra expressa resposta legal, nos termos do art. 17 do Código Penal brasileiro (que reconhece que não há crime sem lesão significativa a bens jurídicos dignos de tutela), como já reconheceu o Eg. TRF da 4ª Rg. ao julgar o caso de autos n. 2005.70.00.0003484-8 (rel. Des. Fed. Tadaaqui Hirose, DJE de 27.08.2008).
Urge que o chapéu de Gessler seja retirado do pedestal, e que não se punam mais comportamentos em si inidôneos para lesar qualquer bem jurídico; sobremodo quando eventual lesão decorre muito mais da própria inoperância legislativa ou mesmo administrativa do Estado.

A DEFESA DE PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS

Em trecho muito sugestivo de A origem da tragédia, Nietzsche narra que os gregos conheceram e sentiram as angústias e os horrores da existência, e que, para poderem viver, levados pela mais imperiosa das necessidades, tiveram de “gerar em sonho o mundo brilhante dos deuses olímpicos”.1 Aproveitando, em parte, essa alegoria, pode-se afirmar que a criminalidade violenta ou astuciosa dos dias correntes é enfrentada com a invocação de antigos e novos santos das procissões religiosas; com os movimentos humanitários que pregam paz e amor; com os símbolos que se remetem à divindade; com o discurso político do crime a exigir o retorno e o recrudescimento das penas corporais; com a declaração de guerra a determinados guetos e setores sociais; com a sacralização da doutrina do direito penal do inimigo; com a multiplicação de normas incriminadoras que atende às exigências de um direito penal de ocasião.
Na administração da justiça penal, os seus operadores sofrem a amarga experiência da inflação legislativa, responsável por um tipo de direito penal do terror que, ao contrário de seu modelo antigo, não se caracteriza pelas intervenções na consciência e na alma das pessoas, e passa a levar à frente as bandeiras do preconceito ideológico e da intolerância social. Ele se destaca, atualmente, em duas perspectivas bem definidas: a massificação da responsabilidade criminal e a erosão do sistema positivo. A primeira, fomenta o justiçamento social determinado pelos padrões sensacionalistas da mídia que subverte o princípio da presunção de inocência e alimenta a fogueira da suspeita, que é a justiça das paixões, consagrando a responsabilidade objetiva; a segunda, anarquiza os meios e os métodos de controle da violência e da criminalidade e revela a ausência de uma Política Criminal definida e permanente nos planos dos governos federal, estadual e municipal.
No ano de 1991, precisamente no dia 25 de março, a Folha de São Paulo, na seção “Tendências e Debates”, publicou artigo de minha autoria, “Direito penal do terror”, no qual foi denunciada a edição de novas leis que, além de provocar um sentimento de opressão ilegítima, atentavam contra a segurança jurídica que devem guardar as normas penais. O título do texto inspirou o Procurador da República, Garcez Ramos, a elaborar de um valioso estudo, denominado: A inconstitucionalidade do ‘Direito Penal do Terror’. Uma das conclusões apresentadas pelo Professor de Direito Processual Penal da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná, foi esta: “. Os princípios penais explicitados na Constituição e os inferíveis a partir de sua interpretação sistemática são juridicamente eficazes e a violação dos mesmos por parte da legislação infra-constitucional importará na inconstitucionalidade da respectiva lei”.2
O nosso país conheceu somente duas consolidações da legislação penal: a procedida pelo esforço beneditino do Desembargador Vicente Piragibe (1932) e a realizada pelo Código Penal de 1940. Este diploma, no art. 360, resume, como objeto de legislação especial, somente os crimes a) contra a existência, a segurança e a integridade do Estado; b) a guarda e o emprego da economia popular; c) de imprensa; d) de falência; e) de
responsabilidade do Presidente da República e governadores ou interventores; f) militares. Falhou a tentativa do Código Penal de 1969 (Dec.-lei nº 1.004, de 21.10), reformado pela Lei nº 6.016, de 31.12.1973, que, após indicar dez espécies de ilícito que comporiam a legislação extravagante (crimes contra a segurança nacional e a ordem política e social etc.), expressamente reconheceu a impossibilidade de consolidar as leis especiais já existentes em grande número, com a seguinte expressão: “bem como os previstos em outras leis e não incorporados a este Código (...)” (art. 401).3
O fenômeno, porém, não é exclusivamente brasileiro e nem é novo. O expansionismo penal já era denunciado no Século XIX, por Francesco Carrara, Franz von Liszt e Reinhart Franck, como observa Luiz Luisi em minucioso levantamento.4 Em nosso país, a proteção constitucional de novos ramos jurídicos, a crescente sensibilização da opinião pública, a necessidade de amparar interesses resultantes do desenvolvimento econômico e os riscos gerados pelas novas tecnologias são alguns dos fatores determinantes da explosão normativa, cujos pedaços dos edifícios clássicos criaram microssistemas em função de interesses ou de pessoas. Os penalistas contemporâneos da América Latina têm denunciado o mesmo problema, agravado com o endurecimento do direito penal nuclear, “fenômeno este que se vincula com el mencionado resurgimiento del punitivismo”.5 A discussão atual sobre o tema da legitimidade da pena criminal assume especial relevo com a massificação de normas incriminadoras, gerando o chamado direito penal simbólico. A propósito, García-Pablos de Molina: “El problema se plantea cuando se utiliza deliberadamente el Derecho Penal para producir un mero efecto simbólico en la opinión publica, un impacto psicosocial, tranquilizador en el ciudadano, y no para proteger con eficacia los bienes jurídicos fundamentales para una convivencia”.6
A hipercriminalização de condutas de menor ou de insignificante relevo ofensivo, tem sido tarefa rotineira do Congresso Nacional, em violação manifesta ao princípio da intervenção mínima. Já foi dito, com muita propriedade, que o Direito Penal é o “soldado de reserva” para combater o crime quando falharem outros meios. “Somente quando a sanção civil se apresenta ineficaz para a reintegração da ordem jurídica, é que surge a necessidade da enérgica sanção penal. (...) Se um fato ilícito, hostil a um interesse individual ou coletivo, pode ser convenientemente reprimido com as sanções civis, não há motivo para a reação penal”.7 Meios de comunicação de massa, instrumentalização do Direito Penal e a técnica legislativa, compõem a tríade que Montes Flores denuncia, no seu artigo como “la demagogia del legislador penal”.8
Creio que somente uma emenda constitucional, para determinar que as matérias atinentes aos crimes e às penas, às hipóteses de prisão e de recursos, sejam objeto de lei complementar, que exige maioria absoluta para a sua aprovação (CF, art. 69), poderá colocar a dignidade da ciência penal a salvo da torre de babel normativa, que a expõe ao serviço da intolerância e do poder arbitrário.
Além do Direito Civil, também o Direito Administrativo e o Direito Tributário contêm uma reserva de sanções que permitem reprimir e prevenir suficientemente variadas formas de ilicitude que estão previstas no Código Penal e em leis especiais. A propósito, a Seção I, do XIV Congresso Internacional de Direito Penal (Viena, 1989), tratou dos problemas teóricos e práticos relativos à despenalização de infrações de menor relevo social e à transferência delas, do domínio do Direito Penal tradicional, para o do Direito Administrativo Penal.9 Essa subsidiariedade do Direito Penal tem sido afirmada por inúmeros autores, a exemplo do imortal Jiménez de Asúa, ao sustentar que “no existe un injusto penal, outro civil, outro administrativo, etc. (…). El Derecho Penal garantiza, pero no crea las normas”.10 No ordenamento legal brasileiro, a subsidiariedade deve ser observada especialmente nas infrações penais econômicas, contra a ordem tributária e contra a economia popular.
Como princípios fundamentais de Direito Penal, são reconhecidos (além da legalidade): a humanidade das sanções, a presunção de inocência, a anterioridade da lei penal, a intervenção mínima, a culpabilidade, a aplicação da lei mais favorável, a proteção dos bens jurídicos, a personalidade, a individualização, a proporcionalidade, a necessidade e a utilidade.
O INSTITUTO BRASILEIRO DE DIREITO PENAL ECONÔMICO, fiel à sua concepção basilar de defender os princípios fundamentais de Direito Penal à luz da Constituição e dos valores democráticos que a promovem, cumprirá esse ideal através de um movimento crítico racional, com diversas atividades acadêmicas, edição de textos científicos, divulgação da jurisprudência garantista e publicação periódica da vida e da obra dos pensadores antigos e modernos que, embora sem a auréola da divindade, praticam, no mundo terreno dos dramas e das tragédias da condição humana, as mais corajosas e fecundas lições de resistência contra o abuso de autoridade e o desvio de poder.
Afinal, e lembrando as sábias palavras de advertência de Roxin, “un Estado de Derecho debe proteger al individuo no solo mediante el Derecho penal, sino tambíen del Derecho penal. Es decir, que el ordenamiento jurídico no sólo ha de disponer de métodos y medios adecuados para la prevención del delito, sino que también ha de imponer límites al empleo de la potestad punitiva, para que el ciudadano no quede desprotegido y a merced de una intervención arbitraria o excesiva del ‘Estado Leviatán’”.11


1 NIETZSCHE, Frederico. A origem da tragédia. 2ª ed., trad. De Álvaro Ribeiro, Lisboa: Guimarães Editores, 1972, p. 47.
2 GARCEZ RAMOS, João Gualberto. Ob.cit., Curitiba: Juruá Editora, p. 91 (os destaques em itálico são meus).
3 A Lei nº 6.016/73 foi revogada pela Lei nº 6.578, de 11.10.1978, sem nunca ter entrado em vigor.
4 Os princípios constitucionais penais, Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, p. 28e s.
5 CESANO, José Daniel. La política criminal y la emergência (Entre el simbolismo y el resurgimento punitivo), Córdoba: Editorial Mediterránea, 2004, p. 26/27.
6 GARCÍA-PABLOS DE MOLINA, Antonio. Derecho Penal, Introducción, Madrid: Faculdad de Derecho de la Universidad Complutense, Madrid, 2000, p. 97. (Os destaques em itálico são meus).
7 HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal, 2ª ed., Rio de Janeiro: Revista Forense, 1958, vol. VII, p. 178. BATISTA, Nilo. Introdução crítica ao direito penal brasileiro, 10ª ed., Rio de Janeiro: Editora Revan, 2005, p. 87.
8 MONTES FLORES, Efrain. Texto publicado em Dogmática penal del tercero milênio. Libro homenaje a los professores Eugenio Raul Zaffaroni y Klaus Tiedmann, Lima (Perú): ARA Editores, E.I.R.L, p. 385 e s.
9Revue Internationale de Droit Penal, Toulouse: ed. AIDP – Eres, 61º année – nouvelle série, 1 e 2 trimestre de 1990, p. 87.
10 JIMÉNEZ DE ASÚA, Luis. La ley y el delito, Caracas: Editorial “Andrés Bello”, 1945, p. 19. Essa conclusão está reafirmada mais detalhadamente em seu Tratado de Derecho Penal, 3ª ed., Buenos Aires: Editorial Losada, S.A., 1964, tomo I, p. 40 e s.
11 ROXIN, Claus. Derecho Penal – Parte General, traducción de la 2ª edición alemana y notas por Diego-Manuel Luzón Peña, Miguel Díaz y García Conlledo e Javier de Vicente Remesal, Madrid (España): Civitas Ediciones, 1997, tomo I, § 5, p. 137 (os destaques em itálico são meus).

René Ariel Dotti
Presidente Honorário do IBDPE

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

É POSSÍVEL A EXISTÊNCIA DE BENS JURÍDICOS COLETIVOS DE NATUREZA ECONÔMICA ?

Da não distinção entre bens coletivos e direitos coletivos no âmbito do Direito penal econômico surge o pensamento no sentido de que existem bens jurídicos coletivos de natureza econômica que podem ser desfrutados por todos, sem que o consumo de um impeça o consumo de outro●. Todavia, conforme se sabe, todo bem econômico é por natureza um bem escasso, o que significa que a única forma de satisfazer, de forma mínima, as necessidades de todos por bens econômicos é fracionando esses bens em partes, tendo em vista que, se assim não for, algumas pessoas necessariamente ficarão excluídas do uso desses bens.
Sendo assim, os critérios da não rivalidade no consumo, da não-distributividade, e da não exclusão no uso1 são incompatíveis com a natureza escassa dos bens econômicos, embora não o sejam com relação aos direitos coletivos sobre bens econômicos. Com efeito, ter um Direito não significa receber o objeto ou a prestação a qual se tem direito, não devendo estranhar, portanto, que alguns dos autores que defendem a legitimação da intervenção penal na proteção dos bens coletivos de natureza econômica enfatizem o “discurso formal dos direitos”, sem atribuir a relevância adequada à questão de como bens supostamente indivisíveis como a água e a produção econômica, por exemplo, serão efetivamente distribuídos para todos os “portadores dos direitos” indivisíveis e não excludentes. Destarte, corre-se o risco de que o “discurso dos direitos” se sobressaia à discussão de não somenos importância em torno de como serão divididos os “novos bens econômicos”2 na chamada “sociedade do risco”.
Entretanto, o estudioso do direito penal econômico não pode ignorar o aspecto ontológico e normativo dos bens coletivos de natureza econômica, não podendo se ater, tal qual acontece no campo processual, ao âmbito de uma discussão normativa focada em aspectos puramente deônticos. Em outras palavras, aos penalistas não é mais importante saber quem pode entrar com uma ação civil pública em defesa da ordem econômica do que responder, por exemplo, o que distingue um objeto chamado de bem coletivo de um bem individual que faz com que aquele deva receber uma proteção diferenciada. Ora, se não há diferença ontológica, então não há porque falar em crimes de perigo ou acumulação, ressalvando-se o caso de que se acredite que o perigo jurídico possa ser algum tipo de perigo diferenciado, existente apenas na cabeça de juristas com o poder de alterar a realidade e o comportamento humano a partir de um “passe de mágica”.
Nesse sentido, vem sendo destacado por alguns doutrinadores que antes de se posicionar acerca da legitimidade ou não da intervenção penal em certos âmbitos da vida econômica, deve-se conhecer e delimitar os objetos aos quais se pretende proteger, uma vez que sem o conhecimento do objeto da ação não será possível normatizá-lo de modo a definir o bem jurídico, conforme bem ressalta SCHULENBURG:
Hay que preguntarse sobre qué objeto se produce um resultado, o bien qué objeto debe ser lesionado o expuesto a um peligro concreto o general. Así, a este respecto, entra em consideracíon tanto el objeto de la accíon afectado inmediatamente por el hecho punible, como tambíen aquel objeto que encarna el bien jurídico protegido, que no tiene por qué coincidir necesariamente com el objeto de lá accíon.”3
Com base nessas premissas, tem-se procurado encontrar critérios para se definir que tipo de objeto realmente pode ser considerado um bem coletivo, a fim de denunciar a existência de falsos bens coletivos que não passariam de uma soma de interesses individuais4. Todavia, os critérios que têm gozado de aceitação majoritária são o da indivisibilidade, não distributividade, e o da não rivalidade no consumo. Entretanto, como a ciência jurídica não pode se contentar com proposições dogmáticas e argumentos de autoridade, impende-se perguntar: qual a base epistemológica que fundamenta esses critérios? Embora alguns penalistas que utilizam esses critérios, sobretudo HEFENDHEL mencionem um trabalho do jusfilósofo ROBERT ALEXY5, a elaboração dos critérios da não-exclusão no uso, não-rivalidade no consumo, e não-distributividade é atribuída ao economista PAUL SAMUELSON que em 1954 procurou oferecer uma análise formal dos bens públicos6.
Um dos objetivos de SAMUELSON ao ter elaborado os critérios da não-exclusão, não-distributividade, e indivisibilidade foi o de separar aqueles bens que poderiam ser fornecidos pelo setor privado de outros que necessariamente deveriam ser oferecidos pelo Estado, tendo em vista que a satisfação desses critérios por um bem implicaria necessariamente a existência de externalidades7.
As externalidades, conforme se sabe, sejam elas positivas ou negativas são consideradas evidências de que um mercado sem intervenção estatal não é eficiente (no sentido de Pareto) na alocação dos recursos, uma vez que se parte da premissa de que esses custos ou benefícios externos não seriam levados em conta na formação do preço em um mercado livre. Assim, com base nesses fundamentos, advoga-se a necessidade de intervenção do Estado, a fim de que este possa criar mecanismos capazes de “internalizar as externalidades”, por meio da criação de condições para que o mercado se desenvolva de forma eficiente.
Por exemplo, como ninguém pode ser excluído do uso de bens públicos, alguns teóricos sustentam que sem um Estado para impor sanções aos sonegadores, os cidadãos, na esperança de “pegar uma carona” (problema do free rider) na contribuição dos outros, deixariam de contribuir, uma vez que do ponto de vista racional o melhor é receber benefícios a custo zero. .
Contudo, o problema com esse tipo de “racionalidade” é que se todos agirem assim não existirá “veículo” para se pegar carona, tendo em vista que um agente egoísta só pode se beneficiar de externalidades
positivas se existirem agentes altruístas que se disponham a arcar os custos. Essa situação foi chamada por OLSON de dilema da ação coletiva8
Com base nessa argumentação, defende-se que a existência de sanções tributárias seria uma forma de “internalizar as externalidades”, criando-se uma espécie de “altruísmo artificial” que ao eliminar o dilema da ação coletiva viabilizaria a existência de grandes empreendimentos, os quais dificilmente poderiam ser realizados com base exclusivamente no instinto de cooperação e solidariedade dos indivíduos. Entretanto, os defensores dessas políticas estão cientes de que se o custo de “pegar carona” for menor do que o de contribuir, os agentes continuarão a sonegar os impostos, sendo as sanções penais, por conseguinte, uma alternativa para impedir que as medidas administrativas sejam ineficazes como conseqüência de análises de custo de oportunidade realizadas pelos agentes.
Todas essas breves considerações são importantes, pois chamam a atenção para o fato de que a transposição para o Direito penal dos critérios mencionados demanda maiores reflexões, uma vez que quando SAMUELSON os formulou, baseou-se em um contexto normativo específico, tomando-o como uma questão a-histórica. Por esse motivo não tardou para que outros economistas logo apontassem uma série de erros em sua metodologia, uma vez que muitos dos supostos bens considerados por SAMUELSON como indivisíveis e públicos, não passaram, em outros períodos históricos, de simples bens individuais9.
Assim, conclui-se esta sucinta análise com o sentimento de que é extremamente louvável essa nova discussão em torno de se definir os aspectos ontológicos e normativos dos bens coletivos; contudo, o debate parece que está apenas no começo, impendendo-se um aprofundamento das pesquisas sobre tal intrincada questão que tem a ver não apenas com Direito penal, mas com a própria função a ser desempenhada pelo Direito na contemporaneidade.

● Este trabalho faz parte de um projeto de pesquisa desenvolvido com o apoio da Fundação Nacional de Desenvolvimento do Ensino Superior Particular (FUNADESP), e do Centro Universitário Curitiba (UNICURITIBA), sob orientação do Professor Fábio André Guaragni. Sou muito grato também ao Professor Robson A. Galvão da Silva pelo constante apoio e ensino.
1 De acordo com HEFENDHEL, um bem satisfará respectivamente os três critérios mencionados se o consumo desse bem por parte de um indivíduo não restringe o consumo de outro; se for real, conceitual, e juridicamente impossível dividir esse bem em partes e atribuir uma porção a cada um e, por fim, se ninguém puder ser excluído de seu uso. Todavia, a inaplicabilidade desses critérios é notória quando se está diante de bens de natureza econômica, podendo-se citar a atividade tributária como exemplo. Com efeito, todos sabem que a arrecadação e aplicação dos tributos é proporcional ao nível de atividade da economia, não existindo fundamento ontológico para supor que bens que antes eram escassos e, portanto, divisíveis, passariam a existir de forma abundante pelo simples motivo de terem passado das mãos do particular para o Estado. Ora, se assim o fosse, bastariam emissões monetárias para acabar com a fome no mundo!
2As aspas são porque a água, por exemplo, era um bem econômico muito antes do homem descobrir seu caráter escasso.
3SCHULENBURG, Johanna. Relaciones Dogmáticas entre bien jurídico, estructura del delito e imputacíon objetiva. In: HEFENDHEL, Holand. La teoria del bien jurídico¿ Fundamento de legitimacíon del derecho penal o juego de abalorios dogmático?Madrid: Marcial Pons, Ediciones Jurídicas y Sociales S.A, 2007, p. 349-362, p. 353.
4Nesse sentido, destaca-se a posição de HEFENDHEL que considera ser a saúde pública um dos exemplos desses falsos bens coletivos que precisam ser desmascarados: HEFENDEHL, Roland. Debe ocuparse el Derecho Penal de riesgos futuros? Bienes jurídicos colectivos y delitos de peligro abstrato, 2002. p.9
5ALEXY, Robert. “individuelle Recht und Kollektive Güter”, in: WEINBERGER. Internationales jahrbuch für Rechtsphilosophie und Gesetzgebung, Aktuelle Probleme der Demokratie”, Wien, 1989.p. 49,54. Vide a citação de: HEFENDEHL, Roland. Debe ocuparse el Derecho Penal de riesgos futuros? Bienes jurídicos colectivos y delitos de peligro abstrato, 2002. p.4
6SAMUELSON, Paul Anthony. The Review of Economics and Statistics, Vol. 36, No. 4, 1954, p. 387-389.
7 Externalidades em economia são os custos ou benefícios de uma atividade que transcendem o mercado específico no qual a mesma se desenvolve. Por exemplo, a poluição causada por uma empresa petrolífera é um custo mesmo para aquele que não obtém qualquer benefício pela exploração do petróleo.
8 Destaque-se que OLSON defendeu esse posicionamento com base no conceito de bens públicos desenvolvido SAMUELSON. Para uma visão mais aprofundada do dilema da ação coletiva ver: OLSON, Macur. A Lógica da Ação Coletiva. São Paulo: Edusp, 1999.
9 Embora tenham aparecido muitos trabalhos críticos com relação aos critérios desenvolvidos por SAMUELSON, o mais famoso é o do economista RONALD COASE que ganhou o prêmio Nobel em 1991. Normalmente, alegava-se, com base no pensamento de SAMUELSON que os faróis de navegação seriam típicos exemplos de bens públicos. Contudo, tais assertivas se baseavam em puras intuições a-históricas, o que restou comprovado quando COASE demonstrou que na Inglaterra do séc XIX os faróis eram privados e os navios tinham que pagar por seu uso quando chegassem ao porto. Com efeito, a constatação de COASE é perfeitamente adequada com a tese de que embora SAMUELSON tenha formulado seus critérios a partir de uma realidade normativa, muitos economistas, até hoje, entendem esses critérios como se fossem de natureza ontológica, o que, conforme se viu, não parece ser o caso. Para uma visão mais aprofundada Vide: COASE, Ronald, "The Lighthouse in Economics," The Journal of Law and Economics, 1974. p. 357-376.

Fernando dos Santos Lopes foi pesquisador da Funadesp e é sócio fundador do instituto Brasileiro de Direito Penal Econômico, atual segundo coordenador do site.